A renda no Séc.xvlll, com peças que demandavam anos de trabalho, era o mais precioso bem da realeza, refletindo a enorme habilidade, esforço e paixão em criar maravilhas. A ênfase estava nos detalhes minúsculos e na capacidade de a destreza humana atingir extremos.
A renda acentuava a divisão da sociedade em classes em que, por lei, era tecido que só podia ser usado por poucos. A Revolução Francesa veio e avalizou o desaparecimento da renda associando-a à uma aristocracia falida. As leis suntuárias, que restringiam sua utilização, já não faziam mais sentido e essa nova liberdade criaria então uma impressionante procura no seio da sociedade por algo até então proibido.
O Sec. xlx foi um novo começo.
A memória da glória da renda, não mais restrita, criou uma demanda como jamais ocorrera antes, porém agora com um novo sentido, de liberdade e igualdade.
Apoiados por Napoleão, os centros de renda foram restaurados com milhares de rendeiras envolvidas na produção desta arte etérea. O apurado trabalho das rendas do Sec.xvlll não pode ser resgatado como antes e a simplificação da técnica e do estilo tornaram-se metas importantes nesse novo e competitivo mercado. Essa procura se associava ao espírito da Revolução Industrial e a busca por uma técnica para tecer renda entrou no aventuroso mundo das máquinas.
Novas rendas desenvolveram-se com o apoio da nova tecnologia. O mais demorado foi fazer uma malha fina onde todos os outros elementos visuais seriam colocados. O objetivo das primeiras máquinas era fazer uma malha quase invisível, o que se conseguiu em 1809, e esta nova e relativamente barata malha ou tule seria a base para as muitas rendas novas que apareceram, assim como o tule artesanal fora base para rendas do passado.
As novas máquinas desafiaram a frágil indústria artesanal provocando, primeiramente, o desenvolvimento de rendas artesanais mais simplificadas, e depois, a estilização dos elaborados padrões barrocos. A luta entre a decadente indústria da renda feita à mão e sua concorrente feita à máquina era uma questão de mercado.
As novas rendas poderiam ainda envolver o trabalho manual naquelas ocasiões especiais em que o desafio era obter o melhor de cada uma dessas indústrias. Assim é que a separação social prosseguiria, com os ricos buscando o melhor enquanto a maioria se utilizava da inicialmente tão criticada renda mecânica.
Elementos de renda feitos com bilros ou com agulha passaram a ser aplicados sobre o tule e o esse tule mecânico se tornaria a base para uma série de novas rendas bordadas, como já se disse. A Irlanda tomou a iniciativa desenvolvendo as rendas Carrickmacross e Limerick. O tule inteiramente decorado pela máquina (http://gwydir.demon.co.uk/jo/lace/collection/flower.htm ) demandaria ainda cerca de vinte anos e a dedicação de uma centena de mentes criativas pensando na elaboração de desenhos e texturas. Estas rendas com aplicações feitas à mão ganharam o nome de Machine Alençon, tiradas da famosa renda de agulha do Sec. 18.
Inicialmente o objetivo das rendas feitas à máquina era reproduzir as antigas rendas feitas à mão, com as quais competiam com dificuldade. Foi somente em meados do século que a renda mecânica conseguiu adquirir seus próprios contornos e atingir os mercados e a moda. Elas mantiveram os nomes tradicionais mas qualquer semelhança com aquelas era puramente acidental.
Pequenos adereços de renda já não satisfaziam mais e as novas tendências da moda pediam xales volumosos, babados e golas que a tecnologia podia agora sustentar de forma menos onerosa. Para incentivar as inovações tanto das rendas artesanais como das rendas mecânicas, grandes exposições foram realizadas em todo o continente em que ambas era promovidas, sendo mostradas as máquinas mais recentes e as rendas artesanais mais elaboradas.
A Grande Exposição de Londres de 1851 apresentou o melhor de ambos, da renda artesanal e da renda mecânica, apresentando, inclusive, a renda de agulha Point de Gaze e a nova renda Duchesse de Bruxelas, uma combinação de renda de agulha e renda de bilros. A famosa Renda Chantilly negra feita à máquina, por sua vez, tinha dificuldade em fazer frente àquela feita à mão.
As Exposições de Paris de 1855 e de Londres de 1862 deram promoveram ainda mais as novas rendas. A renda artesanal continava mantendo mais de 200.000 rendeiras na França de 1862. Uma abordagem inteiramente nova da renda à máquina só vai acontecer nos início dos 1880, fruto da colaboração entre “expertises” do bordado da Suíça e de técnicos alemães. para fazer renda nos anos 1830 a estratégia foi o bordado à máquina feito sobre o tule mecânico. Para as belas e trabalhadas rendas de Veneza então revividas, ainda era necessária a habilidade da renda feita à mão. Porém tal efeito seria alcançado com a utilização de materiais diferentes, bordando-se fios de seda sobre algodão e a seda sendo dissolvida em um banho cáustico, deixando o algodão aberto como um trabalho de renda. Era ideal para as pesadas renda venezianas, bem como para as teias da renda guipure.
Relativamente barata quando comparada com a renda mecânica cuja máquina utilizava muitos fios e uma extensa programação dos cartões de jacquard, esta nova renda "química" acabaria por usar as já existentes máquinas de bordar suíças com o auxílio de um pantógrafo. As primeiras máquinas de fazer renda utilizavam fileiras enormes de agulhas que carregavam o material para cima e para baixo e a linha era laçada em cada um dos lados. Elas podiam imitar perfeitamente os pontos de bordados à mão, mas era um trabalho intenso.
No final dos anos 1880 o aparecimento da máquina com uma só linha, uma combinação de máquina de máquina de costura e de bordado animou a indústria da renda mecânica. Em 1870, com a proliferação de revistas femininas que incentivavam o trabalho "criativo" para todas as mulheres, como por exemplo a Petersons and Godey’s Lady’s Book and Magazine (https://en.wikipedia.org/wiki/Peterson's_Magazine ), fazer rendas se tornou um passatempo doméstico regular.
Bordados à mão, crochê , frivoletê , teneriffe e modernas rendas com lace tornaram-se normais para os envolvidos. As rendas de lacê assumiram vida própria adquirindo novas denominações conforme eram relacionadas com um novo ponto ou um lacê extravagante ou uma nova fita. Tudo se passando em torno do uso de uma fina fita ou lacê fabricados que era colocado sobre padrões impressos com elaborados preenchimentos de renda de agulha, que iriam tomar arbitrariamente nomes como Renda Irlandesa, Honiton ou Renascença, sem ligação com as rendas históricas. O nome Renda Battenberg tornou-se hoje o nome comum para todos essas rendas .
Tendências da moda adotaram a renda à farta, incentivando a indústria. Trajes volumosos serviram para expor rendas. Os grandes xales usados com grandes saias rodadas e grandes golas Bertha eram agora usados ao redor dos ombros, em vez do pescoço, às vezes lisos, outras drapeados, para mostrar ainda mais abundância. Assim seguiu a indústria da renda até o Século xx, quando teve um severo retrocesso durante a Primeira Guerra Mundial.
A indústria da renda artesanal jamais poderia ser ressuscitada, nunca mais seria a mesma, e a indústria da renda mecânica titubeou até depois da Segunda Guerra Mundial, quando novas e eficientes máquinas apoiaram uma nova geração de rendas mecânicas e uma nova onda de moda de renda.
As rendas feitas à mão a partir de então passariam a ser fabricadas nos países do terceiro mundo ou por diletantismo.
Nota: O texto é uma adaptação livre do Catálogo da Exposição Renda do Século XIX (Ninetheenth Century Lace) do Lacis Museum of Lace and Classes acontecida entre outubro/2014 e fevereiro/2015 e consta do site do Lacis Museum que foi objeto de postagem do n/site Renda Tenerife. Para complementar a compreensão do texto e do fascinante mundo da renda ilustrei o texto com algum conteúdo obtido no site de Jo Edkins, que é um manancial de boa informação. As palavras que estão em vermelho remetem o leitor ao conteúdo nomeado com um "click" sobre elas.